A forma como se planeia, gere e vive a cidade tornou-se indissociável da ciência de dados e da inteligência artificial. Lisboa que o diga, ou não fosse ela uma referência europeia em capacidade analítica. Conheça três projetos que transportam a capital para a nova fronteira do conhecimento.

Qual é a melhor forma de construir uma cidade capaz de otimizar serviços e infraestruturas, ao mesmo tempo que responde à emergência energética e ao imperativo de inclusão, segurança e bem-estar? Tirando partido da transformação digital, diz Lisboa. O município faz jus ao estatuto de smart city e recorre cada vez mais à análise de dados e à inteligência artificial (IA) para ir ao encontro das necessidades de quem o habita, visita ou escolhe para trabalhar.

Nesta estratégia, o NOVA Cidade – Urban Analytics Lab, da NOVA IMS, tem sido um parceiro importante da autarquia, ao elaborar diversos modelos analíticos que impactam positivamente o planeamento e a tomada de decisão. Alguns são descritivos, focados na análise e compreensão dos fenómenos, outros preditivos, por procurarem antecipar as necessidades futuras, e outros ainda prescritivos, ao testarem cenários que permitem selecionar as melhores ações a concretizar.

“Os projetos que temos vindo a criar procuram, precisamente, recorrer à analítica para dar a informação necessária a quem tem de intervir na cidade. Desta forma, torna-se possível perceber qual é a melhor intervenção, no espaço e no tempo, permitindo atingir um determinado objetivo”, explica Miguel de Castro Neto, coordenador do NOVA Cidade e diretor da NOVA IMS.

MOBILIDADE GIRA E INTELIGENTE

Entre os vários modelos analíticos desenvolvidos pelo NOVA Cidade para o município, está um na área da micromobilidade dedicado às bicicletas partilhadas de Lisboa, as GIRA. Em concreto, a EMEL, empresa municipal responsável por este serviço, lançou o desafio aos investigadores: qual a melhor forma de garantir que as estações de acoplagem têm lugares livres para estacionar ou bicicletas para utilizar?

Como resposta, o Urban Analytics Lab desenvolveu um modelo que prevê a taxa de ocupação em cada uma das docas, num período de três horas. Para isso, foi necessário ter em consideração vários fatores, como a localização das estações (em 2020, eram 84) e o número de bicicletas disponíveis e as condições meteorológicas. Isto porque diversos estudos demonstram que a temperatura e a precipitação influenciam de forma determinante a utilização de bicicletas. Além disso, como os padrões de ocupação das docas são diferentes consoante a altura da semana, foi criada uma variável própria para identificar dias úteis e fim-de-semana no conjunto de dados.

“Com este modelo preditivo de mobilidade suave produziram-se algoritmos que foram entregues ao município e, pela informação que temos, implementados na plataforma. Desta forma, damos a oportunidade ao gestor das bicicletas partilhadas de responder eficazmente à procura, podendo remover ou colocar bicicletas nas diferentes estações”, explica Miguel de Castro Neto.

Este trabalho faz parte do Urban Co-Creation Data Lab (UCD Lab), projeto com um orçamento de um milhão de euros (cofinanciado pela União Europeia) que elaborou para Lisboa vários modelos baseados em algoritmos de IA. Juntos, respondem a cinco desafios específicos para a cidade: micromobilidade (onde se insere este caso das bicicletas partilhadas), gestão de resíduos, estacionamento, poluição e emergência.

“É possível tirar partido de todos os dados que hoje conseguimos captar para, depois, fa-zermos uma espécie de acupunctura na cidade, onde as intervenções são localizadas e os recursos necessários otimizados”.

Miguel de Castro Neto, Diretor da NOVA IMS e Coordenador do NOVA Cidade – Urban Analytics Lab.

ACIDENTES DE VIAÇÃO: IDENTIFICAR E PRESCREVER

Outro modelo analítico desenvolvido pelo NOVA Cidade através do Urban Co-Creation Lab é dedicado à gestão de acidentes de trânsito em Lisboa. Neste caso, produziu-se um indicador de risco de acidentes para todos os troços da rede rodoviária da cidade e, com base nele, desenvolveu-se um simulador que permite identificar o risco de acidentes em cada segmento de estrada. Mais do que isso, tornou possível avaliar eventuais alterações nesse troço, por exemplo ao nível do número de faixas, do limite de velocidade máxima, do número de postes de iluminação ou da existência ou ausência de radares ou semáforos.

O desenvolvimento desta ferramenta teve em consideração, por exemplo, as características das ruas ou as condições meteorológicas (como a temperatura ou a precipitação) em determinados períodos do dia, bem como o histórico de acidentes de viação na cidade, que requereram a intervenção do Regimento de Sapadores Bombeiros (RSB) entre 2013 e 2020 (num total de 6067 acidentes), fornecido pelos mesmos. As corporações de socorro estão, precisamente, entre as entidades que poderão beneficiar de trabalhos desta natureza, uma vez que estes trabalhos permitem otimizar a atribuição de recursos de emergência na cidade, de modo a diminuir o tempo de resposta, como já foi feito no passado pelo NOVA Cidade, ou planear intervenções futuras, como é o presente caso.

Além disso, acrescenta Miguel de Castro Neto, “permite identificar as zonas de Lisboa com maior risco de acidentes, e mesmo os seus pontos negros, e depois decidir qual é a melhor intervenção a fazer, tendo em conta as diferentes variáveis que explicam a ocorrência de acidentes”.

PASSO A PASSO, DOS DADOS AO INDICADOR DE CAMINHABILIDADE

A caminhabilidade em Lisboa foi outro tema trabalhado recentemente pelo NOVA Cidade, nomeadamente no âmbito do C-Tech – Climate Driven Technologies for Low Carbon Cities, um projeto cofinanciado pelo Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional (FEDR), através do Programa Operacional para a Competitividade e Internacionalização (COMPETE 2020), do Programa Operacional Regional de Lisboa e Vale do Tejo (LISBOA 2020) e pela Fundação Portuguesa para a Ciência e Tecnologia Portuguese (FCT) no âmbito do Programa MIT Portugal. Liderado pela NOS, simulou diferentes cenários de eficiência energética dos edifícios, a criação de estruturas verdes e a eficiência energética da mobilidade urbana. Foi precisamente neste último contexto que os investigadores do NOVA Cidade construíram um indicador de caminhabilidade para a área de estudo piloto, Parque das Nações-Marvila-Beato.

Para isso, avaliaram os passeios da zona a partir de determinadas variáveis que, segundo a literatura especializada, criam as condições ideais para as pessoas andarem a pé, por exemplo, a largura e a inclinação dos passeios, a acessibilidade a serviços e infraestruturas públicas e a acessibilidade a serviços e áreas de lazer, como restaurantes, bares, marinas, parques ou jardins. Mas [avaliaram] também a proximidade de paragens de transportes públicos ou a existência de escolas, espaços verdes, serviços, comércio ou espaços culturais.

A micromobilidade das bicicletas partilhadas de Lisboa (GIRA), o risco de acidentes na rede rodoviária da cidade e a caminhabilidade na zona Parque das Nações-Marvila-Beato foram alguns dos temas que deram origem a modelos analíticos desenvolvidos pelo NOVA Cidade.

“Isso implicou recolher dados de múltiplas origens, como o portal de dados abertos de Lisboa ou o OpenStreetMap, além de outros que nós próprios tivemos de gerar a partir da análise de fotografias aéreas de Lisboa. Foi também possível usar dados dos telemóveis da NOS, que se revelaram úteis na validação do modelo que tínhamos criado, em que identificámos a verde as zonas mais favoráveis para andar a pé e a vermelho as mais desfavoráveis”, explica Miguel de Castro Neto.

No final, criou-se um simulador de caminhabilidade que permite selecionar uma determinada rua, um quarteirão, um bairro ou mesmo uma freguesia e testar as características e variáveis que impactam na decisão de andar a pé. Cruzando-se todos os dados recolhidos, é possível perceber, na prática, qual será a melhor intervenção a fazer – a tal “acupuntura” urbana – de forma a adequar o espaço público à caminhabilidade das pessoas. Isto porque, como diz Miguel de Castro Neto, “a inteligência artificial faz-se com as pessoas e para as pessoas. No fim da linha, o seu maior propósito é sempre melhorar a qualidade de vida e o bem-estar de cada um”.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 39 da Smart Cities – Abril/Maio/Junho 2023, aqui com as devidas adaptações.