Desde que a Internet ‘saltou’ dos computadores para os equipamentos em volta, a área das casas inteligentes não parou de evoluir. Hoje é possível, por exemplo, definir a temperatura ideal de uma divisão ou pôr a máquina do café a trabalhar antes de chegar a casa. Conheça as principais tendências que estão a mudar o ‘lar, tecnológico lar’.

 

Falamos delas há décadas, desde que os filmes de ficção científica nos moldaram o imaginário de uma casa do futuro. Pensou-se, talvez, em casas que falam connosco – qual receita ideal para os dias solitários –, que mudam o aspecto em função da vontade do seu proprietário, que antecipam todas as necessidades de quem lá mora. Pensou-se num mundo de possibilidades, mas continuamos a associar as casas inteligentes ao futuro. A verdade é que, mesmo não sendo exactamente como na ficção, estas smart homes são cada vez mais uma realidade. E trazem, sobretudo, eficiência e conforto ao nosso lar.

Termóstatos inteligentes, controladores centralizados e aparelhos electrónicos que ‘conversam’ entre si. A tecnologia irrompeu, de vez, pela porta das nossas casas e, aos poucos, está a transformar as tarefas mundanas. Não se trata de uma casa que se limpa sozinha – por enquanto –, mas o conceito de casa inteligente está a mudar a forma como gerimos, de forma integrada, equipamentos, electricidade, aquecimento e segurança.

Os exemplos práticos são vários: definir uma temperatura ideal para cada quarto e sala, com o nível adequado de iluminação; saber se uma janela foi deixada aberta; gerir, à distância, os diferentes equipamentos eléctricos e electrónicos da casa; ou, até, ‘dar ordens’ para que a máquina de café comece a funcionar enquanto está ainda a caminho de casa. Tudo isto já é possível, com um “foco no controlo centralizado”, através de uma plataforma de gestão dos diferentes equipamentos conectados, acessível a partir do portátil ou de um smartphone, como lembra Nathalia Pessoa, responsável de comunicação corporativa da Bosch, grupo empresarial que lançou, no início do ano, uma nova subsidiária dedicada às casas inteligentes.

As soluções para casas inteligentes foram, a propósito, uma das grandes tendências do CES 2016, o maior evento internacional de tecnologia para o consumidor final. Nesta ‘Meca Tecnológica’, que decorreu em Las Vegas na primeira semana de Janeiro, empresas correram a mostrar, aos visitantes e imprensa, as novidades em termos de aplicativos inteligentes para o sector residencial. Aqui, brilharam novas plataformas de controlo centralizado das várias componentes de uma casa, mas também novos players deste mercado: as super-tecnológicas – como a Apple, Google, Microsoft e Amazon – já assumem claramente o interesse no mercado das casas inteligentes, com soluções de ponta. E, no meio de tudo isto, o CES 2016 mostrou também que o som é uma parte fundamental da casa tecnológica, com uma tendência clara para equipamentos activados pela voz. Depois de a Siri comandar o iPhone, será que nos espera, no futuro, uma assistente pessoal em formato de casa?

Internet marca o passo

Todos estes avanços no sector residencial acabam por ser viabilizados pelas grandes tendências tecnológicas no sector das tecnologias de informação e comunicação (TIC). “A nossa experiência mostra que as últimas grandes tendências tecnológicas como cloudBig Data analytics, segurança e Internet of Things [IoT] têm mudado a forma como vivemos. A Internet of Things em particular – ou Internet of Everything como lhe chama a Cisco – é responsável pelos milhares de milhões de interligações nesta nova era tecnológica e o grande factor impulsionador da transformação digital dos negócios”, lembra António Feijão, IoT Country Manager da Cisco Portugal. Ainda longe de todo o seu potencial, a IoT já dá cartas na forma como se aborda a gestão de uma casa. Trata-se da capacidade de interligar objectos físicos à Internet, para que funcionem em rede, de forma eficiente, interactiva e inteligente. Hoje, são cerca de 12 mil milhões de objectos ligados. Daqui a quatro anos, em 2020, a Cisco antecipa que sejam 50 mil milhões. Uma ‘revolução’ que se materializará, certamente, também dentro das habitações, empresas e indústrias.

O potencial existe, mas o caminho da inteligência residencial tem também barreiras que urgem ser resolvidas. A interoperabilidade é, nesta rota, um dos principais obstáculos a ter em conta. Que é como quem diz, a garantia de que todos os equipamentos, independentemente do fabricante, possam comunicar perfeitamente entre si. “O grande problema que se coloca no mundo da automação é a existência de muitos aparelhos com especificações muito particulares e muito diferentes umas das outras. Ora, quando entramos num cenário IoT, em que há uma profusão brutal de aparelhos, cada um com as suas funcionalidades, o problema é agudizado, uma vez que na IoT praticamente não há standards”, enfatiza Paulo Carreira, docente do Instituto Superior Técnico e investigador do INESC-ID (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Investigação e Desenvolvimento de Lisboa). Perante isto, “o maior desafio da IoT reside na interoperabilidade e na heterogeneidade dos aparelhos”, conclui o especialista.

Do lado do mercado, e para evitar estas fintas na comunicação entre dispositivos, a Bosch explica como tenta encontrar “compatibilidade com os [equipamentos e soluções] de outros fornecedores”, como é o caso da parceria recente com a Philips na área da iluminação para casas inteligentes. Como resultado, o sistema de luzes Philips pode ser controlado “através de uma aplicação desenvolvida pela Bosch”.

Ser ou não ser inteligente, eis a questão

No meio de tantas soluções que automatizam processos e facilitam o controlo centralizado, há uma dúvida fundamental que espera resposta: o que é, afinal, uma casa inteligente? A hesitação não é infundada e tornou-se, até, um dos pontos de debate do CES 2016. Como relatou a Curbed.com, no rescaldo do evento de Las Vegas, o CEO da empresa Lexington, Casey Smith, expressou fortes críticas sobre a direcção do mercado no sector das casas inteligentes. “Quando penso agora numa casa inteligente, começo a tentar perceber porque é que o meu cozedor de arroz precisa de orientações minhas, a partir do meu telefone, quando estou no escritório”, ironizou, durante um dos painéis do CES 2016. E reforçou: “a nossa visão de uma casa inteligente é a de uma casa senciente que reconhece o que precisas e o que queres que aconteça”.

A definição de casa inteligente concebida por Paulo Carreira também caminha neste sentido. “Acredito que o que devemos chamar de inteligência terá de ser um edifício que consegue antecipar as necessidades do ocupante e agir em prol dele, de forma antecipatória”. Perante isto, o especialista aponta ainda que “são poucos – ou nenhuns – os edifícios que, de facto, se comportam desta maneira”.

O tema não gera consensos fáceis, até porque junta questões de TIC com, por exemplo, a gestão energética dos edifícios. “Um edifício inteligente é apoiado por sensores, aplicações de software e sistemas de controlo que reúnem e aproveitam informação relevante para permitir tomar decisões informadas, aumentar a automação e dar respostas em tempo-real a qualquer evento que possa surgir”, comenta Luís Mourato, director-geral da divisão Building Technologies, da Siemens, lembrando também a ligação eficiente entre automação, sistemas anti-incêndio, segurança, iluminação e distribuição e utilização de energia.

Já Fernando Ferreira, EcoBuildings Operational Marketing da Schneider Electric Portugal, também questionado sobre o conceito de smart building, lança uma ‘equação’ entre funcionalidade, conforto e menor impacto energético: “um edifício em que a arquitectura, localização, materiais utilizados na construção e sistemas de gestão e controlo foram concebidos de modo a proporcionarem o melhor conforto e funcionalidade, tendo sempre em consideração o menor impacto energético possível”.

Definições à parte, as tendências de automação, controlo à distância e plataformas centralizadas parecem ter vindo para ficar. A tecnologia existe, portanto, mas chegará a todas as casas? Estimativas da Bosch apontam para que, até ao final desta década, 230 milhões de casas em todo o mundo possam usufruir de aplicações inteligentes. Mas, a propósito futuro, o que será que a evolução tecnológica ainda trará mais ao sector da habitação? Os prognósticos são difíceis, mas Nathalia Pessoa, da Bosch, dá algumas pistas: “no futuro, cada vez mais próximo, a conexão entre casa, carro, local de trabalho e indústria permitirá inúmeras soluções”. Neste cenário, a casa deixará, de vez, de ser o ‘último reduto’, passando a mais uma das peças ligadas em rede, pela tecnologia, que compõem o quotidiano.

*O artigo foi publicado, originalmente, na edição #10 da revista Smart Cities. Aqui, com as devidas adaptações.