Portugal, apesar da sua baixa perigosidade sísmica, apresenta fragilidades no ponto de vista das estruturas físicas, e também no que toca à sua estrutura social. Mas será que estamos preparados para saber o que fazer? Pensar a resiliência de Lisboa contra os eventos sísmicos não é a única forma de gerir o problema. O programa ReSist é um exemplo de como a população deverá estar capacitada em caso de emergência perante fenómenos naturais. Mas a própria educação científica, deverá estar presente na equação, em qualquer região do país. Ao falarmos com João Duarte, investigador no Instituto D. Luiz e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, percebemos que começa a ocorrer uma mudança no que diz respeito ao conhecimento geológico em Portugal e não só.

O que pensa da literacia científica em Portugal, quando comparada com o que se conhece de fora? Que percepção tem das respostas directas da população?

Em primeiro lugar, creio que é importante perceber que, mesmo que a probabilidade de um evento de grande magnitude seja baixa, deve-se aplicar sempre o princípio de precaução. E é muito por aí que começa a preocupação no “querer saber”.
Em segundo lugar, acho que a compreensão do que são estes fenómenos, e outros, melhorou muito. Tenho por amostragem a minha família e amigos que não estão na área, e acredito que já se deu um momento de viragem. Para além das melhorias educacionais, no geral, os canais televisivos de informação científica e programas específicos permitem que esse conhecimento chegue às pessoas que possam até ter uma menor escolaridade. Tendem a agarrá-las e, por resposta, há um interesse. No geral, sinto que há mais informação. E até mesmo a informação geológica é ainda mais partilhada do que há dez anos atrás, com uma imensa procura até mesmo pelos professores do secundário que querem ensinar. Não esquecendo que nos Açores a população está mais do que habilitada, por razões óbvias.
Por outro lado, temos o menos bom e claro. Através das redes sociais, a que todos têm acesso, também existe muita contrainformação, que, atenção, é perfeitamente articulada, para levar parte de uma população a acreditar em inverdades. Ou por questões políticas, ou por interesses económicos. Há que saber filtrar e mediar muito bem.

Como mudar o paradigma?

Há uma responsabilidade da parte universitária e académica. As universidades em Portugal têm a tradição de estarem fechadas sobre si próprias – ter o conhecimento dá um certo “poder” e prestígio. Mas tem de se pensar se é um conhecimento estratégico para o país ou não, para a população. Nesse aspecto, cabe aos geocientistas fazerem o seu trabalho, garantindo que a informação chegue ao público geral e ao poder político. Ao mesmo tempo, temos o problema de muitos cientistas não saberem comunicar a ciência. A informação não pode sair em bruto, tem de ser trabalhada, perante o risco de não ter impacto cá fora. Mas é um caminho que tem estado a ser trabalhado – e bem! -, uma vez que ainda existe preconceito, associado ao tal prestígio do “saber”.

“As pessoas têm vindo a procurar mais informação pelo conhecimento em si, do que apenas pelo mediatismo negativo que geralmente cercam estes assuntos.”

Que outras estratégias poderão ser aplicadas, uma vez que já começa a haver essa abertura à comunicação?

Em primeiro lugar, divulgar ciência não é fazer ciência. O rigor que existe sempre é, apesar de tudo, ligeiramente diferente. Em segundo lugar, deverão os cientistas, ou geocientistas, aproveitarem os momentos dos eventos críticos, para essa comunicação. Também devemos tornar as geociências mais atractivas, através de uma mudança interna de comunicação, até nos órgãos de comunicação. Neste caso, porque não incluir especialistas em divulgação científica (com base em diferentes áreas científicas, mas consigam fazer essa ponte), nas redacções? Ou porque não criar acções formativas aos jornalistas?
Tendo experiência na área, por ser muitas vezes abordado para dar formação, mas de forma avulsa, acho que se deveriam usar as estruturas já existentes, como a Associação Portuguesa de Geólogos, a Sociedade Portuguesa de Geologia, ou a um nível superior, a Academia Portuguesa das Ciências, para um enfoque mais preciso nesta área de comunicação.
Seria aliás, essencial, haver uma simbiose, uma junção das várias Ordens, Academias, associações várias, para que essa comunicação passe. E porque não se criarem grupos de trabalho específicos, junto do poder político local? Também penso que se deveria aproveitar os incentivos europeus, financeiros, que apoiam os projectos realizados entre a universidade e as escolas, na área de divulgação.

Como vê a literacia científica, nomeadamente das Geociências, dentro do poder político? Existe uma boa comunicação e/ou conhecimento entre os cientistas e a classe governativa?

Estou positivamente surpreendido nesse aspecto. Acredito que quando há um grupo amplo de cientistas, uma comissão, para discussão de determinados temas, o poder político, quem os recebe, tem toda a capacidade, ferramentas e total compreensão para o que vai escutar. Têm perfeita noção do que lhes está a ser comunicado. Além disso, também têm bons assessores ou consultores, para estas temáticas, que são, na maioria, cientistas. Onde há a falha maior? O prestar contas ao eleitorado. Sabendo que haja alguma acção técnica, mais complexa, que tenha de ser feita, fora as que não carecem de maior esclarecimento, há que haver uma boa comunicação com o público. Garantir que sejam os cientistas a fazê-lo de forma eficiente, ou, o próprio poder local. Porquê? Porque a governação depende dos eleitores, daquilo que as pessoas querem. São decisões sociais relacionadas com as prioridades no momento, e com os meios financeiros disponíveis. Se houver um movimento social e de sensibilização que acompanhe o poder político, sabemos o que fazer com a informação a ser partilhada e como ser partilhada. Mas há que ter o cuidado de ouvir também quem vota, o que eles pensam e querem. De que forma é que estas decisões vão impactar as suas vidas.
Na visão geral, a educação passa por esta analogia até bastante simples. Se somos alertados que vai chover, embora não se saiba exactamente onde irá ocorrer a precipitação ou se irá, de facto, chover, andamos com um chapéu de chuva. Se pensarmos que, um dia, pode ocorrer um sismo, no mínimo, deveremos estar preparados e saber o que fazer.